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A comunicação em cartas havia emoções.

A Comunicação em Cartas Havia Emoções - Do Perfume da Carta ao Gelo Virtual

Do Perfume da Carta ao Gelo Virtual: Uma Reflexão Sentimental sobre a Emoção Perdida na Era Digital

Envelope antigo dos Correios do Brasil, representando a comunicação por cartas e a nostalgia do passado.
O envelope padrão dos Correios do Brasil de uma época em que a comunicação por cartas era a principal forma de contato à distância


1.O Elo Emocional Perdido

Em um tempo onde a cadência da vida permitia que os sentimentos viajassem em folhas de papel, a comunicação por cartas transcendia a mera troca de informações. Era um ritual íntimo, onde a caligrafia dançava com a intenção, o toque do papel carregava a presença do remetente e, por vezes, um suave perfume anunciava afetos. Essa forma de conexão, outrora essencial, contrasta fortemente com a instantaneidade fria da era digital, onde mensagens cruzam o mundo em bits, desprovidas da tangibilidade emocional. Este artigo revisita essa saudade palpável, buscando refletir sobre o elo emocional que se perdeu na transição do calor do papel para o gelo virtual da comunicação eletrônica.

2. A Essência da Emoção nas Cartas: A Materialidade Sentimental

A emoção incrustada na comunicação por cartas residia em sua materialidade e no cuidado investido em cada etapa. Escolher o papel, a tinta da caneta, a dobra atenciosa, o selo escolhido — cada detalhe era uma extensão do remetente. A espera pela resposta criava uma tensão carregada de expectativa, e a chegada da carta era um evento, um pequeno tesouro a ser aberto com reverência. O ato de escrever exigia reflexão, a busca pelas palavras que melhor traduziam os sentimentos, enquanto a leitura permitia uma imersão lenta e contemplativa na alma do outro.

3. A Transição para a Frieza Digital: Um Mundo de Bits e Perigos

Com o advento da tecnologia, a velocidade e a eficiência se tornaram os pilares da comunicação. As distâncias encurtaram-se, mas, paradoxalmente, a proximidade emocional parece ter diminuído. A instantaneidade das mensagens eletrônicas, embora prática, despojou a comunicação da cerimônia e da atenção dedicada. Além da frieza impessoal, o universo digital esconde perigos insidiosos no invisível fluxo de bits. Golpes financeiros sofisticados, a proliferação de vírus destrutivos, o sequestro de informações confidenciais e a constante ameaça à integridade de arquivos tornaram-se riscos tangíveis da era eletrônica. 

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O correio, antes um canal de afetos e notícias pessoais, transformou-se em um vetor de boletos e informações impessoais, enquanto a caixa de entrada digital se tornou um campo minado de potenciais ameaças, onde a riqueza sensorial e a profundidade emocional das cartas cederam lugar à frieza funcional de mensagens muitas vezes lidas superficialmente e rapidamente descartadas.

4. Memórias e Reflexões: Ecos de Emoções Atemporais

As cartas guardam em suas linhas a vivacidade das emoções passadas. Uma carta de amor perfumada reacende a chama da paixão juvenil. Um cartão de felicitações, rabiscado à mão, carrega o calor da amizade sincera. Até mesmo a ansiedade de aguardar notícias importantes ecoa através da história. Imagine a corte portuguesa, em um tempo de navegações incertas e horizontes desconhecidos, quando a carta de Pero Vaz de Caminha finalmente chegou. Mais do que um mero relatório, era a descrição vívida de um Novo Mundo surgindo aos olhos europeus. A leitura dessas palavras, detalhando a exuberância da terra, a singularidade dos povos originários e a promessa de riquezas inexploradas, inflamou certamente a imaginação e as emoções da corte. Havia a curiosidade pela descrição de um paraíso tropical, o espanto diante do desconhecido e, sem dúvida, a excitação diante das possibilidades que essa nova terra poderia oferecer ao reino. Essa carta, carregada pelas lentas caravelas, era um elo palpável com o extraordinário, um vislumbre de um futuro que se descortinava. Essa emoção histórica, onde a comunicação escrita era a portadora de notícias de proporções épicas, contrasta fortemente com a relativa banalidade e a constante enxurrada de informações que caracterizam a era digital. 

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A saudade da carta escrita à mão não é somente uma nostalgia, mas um reconhecimento da dimensão emocional e do impacto que a comunicação, quando carregada de significado e expectativa, pode gerar.

5. Um Resquício de Emoção: A Ressignificação da Escrita à Mão em um Mundo Digital


Ilustração de um envelope padrão dos Correios do Brasil de antigamente, simbolizando a troca de cartas manuscritas
O envelope padrão dos Correios do Brasil de antigamente, simboliza a troca de cartas manuscritas com emoções.



Curiosamente, em um mundo saturado pela comunicação digital, a escrita à mão tem encontrado novas formas de ressignificação e, talvez, até intensificação de seu valor emocional. Em meio à rapidez e à impessoalidade dos textos digitais, um bilhete manuscrito torna-se um ato deliberado de atenção, um investimento de tempo e cuidado que ressoa de maneira singular. 

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Cartões artesanais, com suas imperfeições e toques pessoais, carregam uma autenticidade que os bytes dificilmente replicam. Até mesmo a digitalização de cartas antigas, compartilhada online, evoca uma conexão nostálgica e sentimental com o passado. Essa persistência da escrita manual, mesmo que em nichos ou de formas adaptadas, sugere que a necessidade humana de expressar emoção de maneira tangível e pessoal ainda encontra seus caminhos, provando que o “calor do papel” pode, de certa forma, sobreviver à frieza do “gelo virtual”.

6. Resgatando a Alma da Comunicação na Era Digital?

A praticidade da era digital é inegável, mas a balança da comunicação parece ter pendido para a eficiência em detrimento da emoção. Ao recordarmos a riqueza sentimental das cartas, somos levados a questionar se a instantaneidade virtual não nos roubou algo essencial: a oportunidade de expressar e receber sentimentos com a profundidade e a atenção devida. O segredo para uma comunicação mais completa na era digital está em resgatar a intenção, cuidado e reflexão que antes eram intrínsecos ao ato de redigir e receber uma carta, resgatando, ainda que de maneira renovada, a ligação emocional que o papel, com sua sutil materialidade, tão bem sabia criar.
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Referências Bibliográficas:

1. McLuhan, Marshall. Understanding media: the extensions of man. New York: McGraw-Hill, 1964.

2. TURKLE, Sherry. Alone together: why we expect more from technology and less from each other. New York: Basic Books, 2011.

3. AZEVEDO, Luiz Antônio Duff. Historia Postal Dos Selos Comemorativos No Brasil: 1900 A 1942. São Paulo: 2018.

Comentários

  1. Bom dia! Seja bem-vinda minha amiga Margarida Rios ao blog analiseagora. É uma alegria te receber. Espero que esta seja a primeira de muitas e muitas visitas para ler os artigos aqui postados e que os mesmos venham te interessar e completar as tuas buscas dos mais diversos assuntos que amas e estejas procurando respostas. Espero que as matérias do blog sejam de fato excelentes para complementarem as tuas pesquisas.
    Há este grande contraste entre a comunicação antes e depois do advento da web. Tudo mudou e tem seus dois lados: a velocidade da informação instantânea e a saudade que surge em nossos corações das cartas escritas a mão ainda que eram demoradas tanto para remeter quanto para receber, mas havia emoções. Hoje na velocidade da informação tudo se perdeu. Todavia devemos aprender a conviver com a tecnologia que é necessária nos dias atuais sem perder o romantismo. Algo um tanto difícil para a conhecida “geração arroba” ou da tecnologia da informação. Bom dia e volte sempre ao nosso blog. Beijos querida em teu coração

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