Do veneno à cura institucional — quando a Justiça se levanta para proteger a alma democrática do Brasil
“Não me alegro com a condenação de nenhum cidadão. A pena de reclusão, mesmo quando justa, é sempre uma tragédia humana. Nascemos para a liberdade — e sua perda, por qualquer motivo, é uma dor que fere a alma. A alma chora, mas ninguém escuta. Uns aprovam, outros desaprovam. Não por dúvida, mas por compaixão. Não por hesitação, mas por humanidade. Eu celebro a liberdade. Celebro a vida — que é linda, frágil e breve. Zele pela sua liberdade, como quem protege o que há de mais precioso.” [Fios de Ideias].
A dozemetria para Bolsonaro/JN/Globo
O julgamento que transcende o jurídico
O Brasil assiste a um julgamento que ultrapassa os limites do direito penal. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar os responsáveis pela tentativa de golpe de Estado de 2023, não apenas aplica a lei — reafirma os fundamentos da democracia republicana. Como diria Hannah Arendt, “o poder pertence ao povo quando ele age em conjunto”. E hoje, o povo age por meio de suas instituições.
O artigo constitucional em xeque
O julgamento se ancora no artigo 359-M do Código Penal, que trata da abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Mas o que está em jogo é mais profundo: é o pacto civilizatório que sustenta a convivência democrática. Como ensinou Norberto Bobbio, a democracia é antes de tudo um método de controle do poder — e esse controle se exerce, entre outros meios, pelo julgamento dos que tentam subvertê-la.
Dever cumprido com a democracia e com a sociedade
O STF cumpre seu papel como guardião da Constituição. Em “O Contrato Social”, Rousseau afirma que a liberdade só existe quando as leis são respeitadas por todos. Ao responsabilizar os que atentaram contra a ordem democrática, o tribunal reafirma que a lei é a expressão da vontade geral, e não um instrumento de conveniência política.
Um antídoto contra o golpismo
Se a ministra Cármen Lúcia comparou o julgamento a uma aula pública, uma vacina contra a repetição dos erros — data vênia, proponho outra metáfora: este julgamento é um antídoto contra o golpismo.
Como todo antídoto, ele é aplicado após o veneno ter sido inoculado. O Brasil foi contaminado por discursos de ruptura, por práticas autoritárias, por tentativas explícitas de subverter a ordem constitucional. O STF, ao julgar os responsáveis, administra o antídoto institucional que pode neutralizar os efeitos desse veneno.
Mas o antídoto não age sozinho. Ele precisa de um organismo social saudável, de instituições que funcionem, de cidadãos atentos. O julgamento é apenas uma dose — a cura exige vigilância democrática contínua, como advertia Karl Popper: “A democracia não garante que os governantes sejam bons, mas permite que sejam substituídos sem derramamento de sangue”.
A democracia sai fortalecida?
Sim, desde que o processo seja conduzido com transparência, respeito ao contraditório e à ampla defesa. A democracia não se fortalece apenas com punições, mas com respeito às regras do jogo. Como dizia Montesquieu, “a liberdade política só existe quando não há abuso de poder”. O STF, ao agir dentro dos limites constitucionais, mostra que a democracia brasileira tem instituições resilientes.
Ninguém está acima da lei
Neste país, ninguém é imune ao banco dos réus. Errou, pagou — seja o mendigo, o chefe de Estado, o pastor, o padre, o CEO da multinacional ou o influenciador digital. A Justiça, quando aplicada com isonomia, é o maior símbolo de civilização. O STF mostrou que a toga não se curva ao poder, mas à Constituição.
John Rawls, em “Uma Teoria da Justiça”, defende que a equidade exige que as regras sejam aplicadas igualmente a todos. O julgamento de hoje é uma demonstração de que a justiça não é seletiva — é republicana.
A memória como instrumento democrático
Este julgamento também é um ato de memória. O Brasil precisa lembrar — e ensinar às futuras gerações — que a democracia foi atacada, mas resistiu. A memória coletiva é um instrumento de prevenção: quem esquece o passado está condenado a repeti-lo, como alertava George Santayana.
O papel da sociedade civil
A sociedade civil foi protagonista na defesa da democracia. Movimentos sociais, juristas, jornalistas, artistas e cidadãos comuns ergueram a voz contra o golpismo. O julgamento no STF é, também, uma vitória da mobilização popular que não se calou diante da ameaça.
Como dizia Antonio Gramsci, “a indiferença é o peso morto da história”. O Brasil não foi indiferente — e por isso, hoje, a democracia respira.
Sendo assim, o Brasil vive hoje um momento de inflexão. O julgamento no STF é mais do que um processo jurídico — é um ritual democrático, um ato de purificação institucional. Que este dia seja lembrado como aquele em que a Justiça se fez presente, e a democracia se fez valer.
Como ensinou Alexis de Tocqueville, “o grande privilégio das sociedades democráticas é que os erros podem ser corrigidos”. Que este julgamento seja a correção de um erro histórico — e o início de uma nova etapa, mais justa, mais vigilante, mais democrática.
O dia 11 de setembro de 2025 foi uma resposta de fortalecimento democrático ao fatídico 08 de janeiro de 2023. Do trauma à reconstrução, da ruptura à reafirmação — a democracia brasileira mostrou que sabe se defender, e que não se curva diante da ameaça.
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Referências
ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. São Paulo: Paz e Terra, 1986.
GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
MONTESQUIEU. O espírito das leis. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
POPPER, Karl. A sociedade aberta e seus inimigos. São Paulo: Itatiaia, 1974.
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
SANTAYANA, George. The Life of Reason. New York: Charles Scribner’s Sons, 1905.
TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
Fontes externas recomendadas
Instituições e mídia nacional
- Supremo Tribunal Federal (STF) https://www.stf.jus.br
- G1 – Política https://g1.globo.com/politica
- Folha de S.Paulo – Poder https://www.folha.uol.com.br/poder
Mídia internacional
- Le Monde – International https://www.lemonde.fr/international
- The New York Times – World News https://www.nytimes.com/section/world
- The Guardian – Brazil Politics https://www.theguardian.com/world/brazil
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