Reflexões sobe finitude, liberdade e educação como prática da resistência
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“Rasgar o livro é rasgar a opressão” — a cena que marca o nascimento da educação libertadora. |
Logo no início, o professor John Keating conduz seus alunos por um corredor de fotografias antigas. Rostos sérios, uniformes impecáveis, olhares que já não olham. E então, com uma voz que não ensina, mas desperta, ele diz: “Todos eles hoje são fertilizantes.” A frase, crua e poética, rasga o véu da ilusão juvenil.
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A morte não é um fim distante — é uma certeza próxima. E é justamente por isso que viver se torna urgente. “Carpe Diem”, ele sussurra. Aproveite o dia. Não como um convite à pressa, mas como um chamado à presença.
O filme é uma grandiosa homenagem a todos os poetas ousados calados pelos sistemas opressores, mas o seu legado, não! Essa verdade atravessa cada cena, cada gesto, cada silêncio. O professor Keating não somente ensina — ele convoca. Convoca os jovens a rasgarem as páginas do livro que tenta domesticar a poesia. Rasgar não somente o papel, mas a estrutura que aprisiona o sentir. A poesia, diz ele, não se mede. Não se calcula. Não se submeta.
Essa ruptura com o ensino mecânico e autoritário encontra eco direto na pedagogia libertadora de Paulo Freire. Keating, como Freire, rejeita o modelo bancário de educação — aquele no qual o professor deposita conhecimento e o aluno somente recebe. Em vez disso, propõe uma educação dialógica, onde o aluno é sujeito do próprio saber. Ao rasgar o livro de Pritchard, Keating está rasgando também a lógica da opressão intelectual, como Freire propôs em Pedagogia do Oprimido.
A caverna dos Poetas Mortos é mais do que cenário: é um círculo de cultura freiriana. Um espaço de escuta, de troca, de construção coletiva do conhecimento. Ali, os alunos descobrem que a palavra pode ser abrigo, que o verso pode ser resistência, que a amizade pode ser filosofia. Para mim, essa cena é um espelho — ela me leva de volta ao tempo de universidade, ao “Caldeirão*”, onde também se debatia, se sonhava, se tentava moldar o mundo com ideias e afeto.
Por fim, a cena derradeira. O professor é afastado, silenciado, punido por abrir janelas demais. Mas os alunos, em um gesto de coragem e gratidão, sobem nas mesas e dizem: “Oh, captain, my captain.” Não é somente uma homenagem. É uma ruptura. É a afirmação de que a educação não é submissão — é libertação. Que o verdadeiro mestre não é aquele que ensina fórmulas, mas aquele que ensina a ver.
Sociedade dos Poetas Mortos é, portanto, uma ontologia do existir. Um convite à consciência. Um lembrete de que viver é mais do que cumprir etapas — é deixar marcas. E que, no fim, todos seremos fertilizantes. Mas até lá, que sejamos versos vivos, declamados com coragem, escritos com alma.
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Nota Explicativa: O Nosso "Caldeirão"
No coração da nossa vivência universitária em Filosofia, o "Caldeirão" foi muito mais que um local físico: era o nosso santuário de liberdade intelectual, um eco vibrante da própria caverna dos Poetas Mortos. Ali, as ideias não apenas fervilhavam; elas borbulhavam em debates apaixonados sobre filosofia, política e poesia. Era o espaço onde o pensamento ganhava vida em sua forma mais autêntica e compartilhada, um refúgio contra a rigidez acadêmica, onde sentíamos, pensávamos e sonhávamos com coragem.
A chama deste "Caldeirão" não se dissolveu com o diploma. Ela segue acesa, reunindo-nos ainda hoje para reviver a inquietação intelectual e celebrar a vida, o afeto e a liberdade que germinaram no campus acadêmico. É a prova viva de que certos espaços, nutridos por amigos e ideias, transcendem o tempo e se tornam parte indelével de quem somos.
Fontes de Referência
WEIR, Peter (Diretor). Sociedade dos Poetas Mortos. [Dead Poets Society]. Estados Unidos: Touchstone Pictures, 1989. Filme.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
WHITMAN, Walt. Leaves of Grass. Nova York: Thayer and Eldridge, 1860. (Referência ao poema “O Captain! My Captain!” (citado no filme).
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